Um conto:
"Venho de uma família grande, com 6 irmãos e 5 irmãs. Outros tempos, sem televisão e nem anticoncepcionais. Uma época em que numerosos filhos, além de uma bênção, eram mão de obra para ajudar na lavoura, ainda parcamente mecanizada.
Recordo ser uma criança com 10-12 anos. Descobrimos que uma de minhas irmãs, casada, estava apanhando do marido. Quase todo dia, sempre que meu cunhado chegava bêbado em casa. O ancestral problema do demônio na garrafa. Várias pessoas conversaram sobre a situação com ele, inclusive seu pai e até mesmo o padre da paróquia. Nada resolvia. E nessa época, uma mulher abandonar o lar era inconcebível em uma pequena comunidade católica romana; ainda mais que separação ou divórcio era algo inexistente em meados dos anos 1950.
Uma noite, cansados de verem nossa irmã apresentar a cada dia novas marcas de violência (ela morava próximo de nossa casa), e preocupados com o bem-estar dela e de seus dois filhos pequenos, meus irmãos mais velhos resolveram tomar uma atitude. Esperaram ele voltar da bodega, borracho como sempre, a meio caminho de sua casa. Levaram-no a um capão de mato e aplicaram uma tunda de laço no "macho" que batia em mulheres. E deixaram ele amarrado em um tronco de pinheiro durante a noite para se curar da ressaca e pensar na vida. Com o aviso de que a surra iria se repetir a cada novo machucado que nossa irmã apresentasse.
Nunca mais nossa irmã apanhou. E ele se tornou uma pessoa equilibrada, um ótimo pai. Largou a bebida. E jamais tocou no assunto.
Sei que violência não é uma solução aceita em um mundo civilizado que oferece alternativas como legislação protetiva (lei Maria da Penha), delegacias especializadas, assistência social e programas específicos de proteção às mulheres. Tudo isso é fruto da evolução da sociedade, mas são ferramentas recentes, e que ainda hoje apresentam deficiências para serem plenamente eficazes. E nada disso existia nem sequer em sonhos em meados dos anos de 1950 em um distrito rural do interior do Rio Grande do Sul."
Não entendo como em pleno século XXI ainda enfrentemos esse tipo de problema, sempre presente nas páginas policiais de jornais e noticiários televisivos. Minha impressão é que a humanidade caminha em círculos, como os ponteiros de um relógio.
Tanto assim que até mesmo a data de hoje, 25 de novembro, foi estipulada pela ONU como o "Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher".
Fonte: Marcos Vaz
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